terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Ciclo

São tuas feridas abertas e tuas cicatrizes que fazem de ti quem tu és
És a soma de tuas dores, sentidas ou anestesiadas
São as marcas fundas que te moldam e te dão forma
E como tomar forma dói!
Os anestésicos de nada servem
São máscaras trapaceiras
A ferida continua lá, aberta, sangrando, te lembrando que ela existe a cada solavanco.
O que é preciso é curar a ferida, fechá-la e mantê-la calada
Para isso, o único remédio que conheço é o amor.
O amor não é um bom anestésico, mas é o melhor, se não o único, cicatrizante que existe mas, ah, o amor!
Não foi ele o grande causador de tudo?
Amar é abrir o peito e deixá-lo vulnerável a toda ferida e toda dor.
Num ciclo infinito.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Erros de outrém

Há coisas que, quando se quebram, não podem mais ser coladas. Achei que tinha aprendido isso há muito tempo, mas a vida insiste em continuar me ensinando. Talvez para ter certeza de que eu vá aprender bem aprendido.

Dizem que os reveses da vida nos ajudam a crescer. Não há uma verdade universal para nada, não é? Acho que, nesse caso, o revés vem só para me despedaçar.
E fica aprendido que, na verdade, as coisas podem sempre ser piores do que parecem.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Meu erro

Até onde a hipocrisia pode chegar? Até que ponto manter a pose é mais importante que confiar? Até quando mentir vai se sobrepor a amar?

Eu sempre soube que entrega total não existia, mas um dia acreditei na ilusão de que a tinha encontrado.
Eu devia saber que sempre estive certa e que errada eu estava agora.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sal

Queria estar sempre ali pertinho do mar. E poder entrar nele todos os dias. Para que as ondas levassem embora tudo o que me aflige. E em troca me deixassem só o sal no corpo.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Jabuticabeiras

O tapete roxo de jabuticabas no caminho de casa coloriu minha estação e salvou meu primeiro dia útil em horário de verão de terminar odioso entregue ao sanguinolento sol das 4h30.

domingo, 2 de maio de 2010

Adeus

Podemos enterrar um amigo. Mas um dia vamos conseguir enterrar a dor?

domingo, 25 de abril de 2010

Libertação

O nome disso é orgulho, e você precisa se livrar disso se quiser viver.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Cabeça cheia

Hoje tive uma conversa muito boa. Franca e sem cobranças. Cheia de confissões.
Saí com a cabeça cheia... Há tanto o que pensar!
Não, não foram as confissões que fizeram isso. Elas não mudaram muita coisa -- pois já eram sabidas, apenas não confessadas.
Mas há tanto o que pensar!... Tanto, tanto...

domingo, 28 de março de 2010

E agora, José? [2]

O que fazer quando você só se dá conta das oportunidades da vida depois que elas foram embora?

terça-feira, 9 de março de 2010

À deriva

O que é que eu estou esperando, afinal?
Ser espremida até que caia de mim a última gota de sumo? Até que não reste nada, a não ser o cansaço e o medo? Até que não sobre mais lucidez?

Por que flutuo à deriva?
Não há mesmo um porto à vista, ou ignoro todos e ainda espero avistar um nunca chega?

Mas ele chegará.

Haverá ainda juízo, ou só me restará a loucura quando esse momento chegar?

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Pense bem

Nada mudou.
Mas tudo parece tão diferente.
O que é que mudou em mim, então?, se o universo ainda é o mesmo...

sábado, 21 de novembro de 2009

Mortes

Morro de saudades do meu gato, das minhas árvores, da varanda, de ter os olhos cheios de terra quando venta. Mas morro ainda mais se voltar para um lugar onde não se houve carros passando na rua, e corre-se sempre o risco de ser atropelado por uma bicicleta.

Talvez, entre todas as mortes, aquelas causadas pelas saudades sejam as mais felizes de se sentir.

domingo, 31 de maio de 2009

Pecado

Era tão fascinada por boas histórias, e as amava tão ardorosamente, que não se importava com que heresias continham. Amava mais as histórias do que tudo o que era sagrado e, assim, tornava-se herege também. 

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Meus pátios

A chuva que me inunda e faz lagoas no jardim me acalma a alma de um tanto que eu poderia ficar pra sempre assim, ouvindo ela cair, sentindo arrepiar a pele e olhando o pingar inconstante das folhas secas das palmeiras. 

Pena é não poder abrir a cortina e ficar olhando em volta, pois aqueles pares todos de olhos não sairiam de cima de mim, e eu não suportaria muito tempo mais. 

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Verde

Talvez o cheiro de grama cortada seja a única coisa capaz de me aquecer em um dia frio. 

quarta-feira, 18 de março de 2009

O sítio

Joana levantou-se cedo naquela manhã. Queria dar umas voltas, fazer um reconhecimento do lugar, andar por aí pensando na vida. Queria um tempo para si, longe da poluição sonora da casa acordada — aquele emaranhado de sons e gritos e rádio ligado e panela no fogo e água fervendo e tanquinho batendo e cachorro latindo e galinha cocorejando e criança correndo e bebê chorando e gente rindo e fofocando. Saiu descalça mesmo, sentindo a terra arenosa, macia de não ter sido lavada pela chuva que não caía há semanas. Andou por minutos incontáveis, passando por goiabeiras com toscos balanços pendurados, mangueiras, limoeiros, árvores que nem sabia o nome, sapos e formigas, até chegar perto do rio. Não sabia nadar — ficou só olhando as canoas flutuarem amarradas nos tocos à beira do barranco, se imaginando tomando aqueles remos e descendo na calmaria daquele rio sem correnteza, em busca dos peixes maiores e dos lambaris mais saltitantes.

Mas houve o estrondo, e Joana não soube o que fazer por um instante interminável. Não soube nem o que pensar. Então se levantou de repente e saiu correndo de volta à casa que erguia-se meio inclinada entre a horta e os poleiros onde dormiam as galinhas. Chegou e viu as crianças agarrando-se umas às outras, chorando copiosamente. Não precisava que lhe contassem nada, porque soube, desde o dia em que chegou à casa, que aquela história acabaria em tragédia.

Ela atravessou a sala e a cozinha e chegou aos fundos. Viu Lucia, que sangrava pelos furos na testa e no peito, caída perto do tanque. A poça vermelha sobre o concreto aumentava devagar a cada segundo. O revólver Mário tinha levado consigo, com toda a certeza. E, ao lado do corpo, ele deixou o motivo do crime: uma foto de Lucia e Alberto, rasgada ao meio, suja de sangue.

Este, com certeza, já está morto também, pensou Joana. E fechou devagar os olhos da defunta, sem conseguir sentir qualquer pesar por ela.

  

domingo, 8 de março de 2009

O novo sempre vem?

Os velhos vícios que retornam. 
Primeiro, uma xícara de café por dia.
Depois, um cigarro ou dois por noite. 
Um disco por trajeto. 
Um sorvete por almoço.
As velhas obsessões, que fingem que vão embora, mas acabam por retornar. Fazendo lembrar do que já fui um dia, e de coisas que há muito tento esquecer. Atormentando um calmo coração que só quer o novo. Novos livros, novos discos, novos lugares, novos sonhos, novos quereres. Novos vícios. 
Mas ah!, os vícios. Os velhos vícios! 
Como se livrar dos hábitos encravados no peito e de tudo que já nos acostumamos a desejar?

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O não vivido

Todas as pessoas que eu não vi e os lugares que eu não conheci fazem uma falta tremenda, como se tudo — minha vida dependesse dessas instâncias. 


terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Roda viva


Talvez nossa história esteja fadada a essa interrupção eterna, ou um eterno continuar, sempre abruptamente encerrada em vírgulas, e nunca um ponto final.

Talvez nunca venhamos a encontrar nosso tempo, um tempo nosso de viver. Talvez seja esse nosso destino, de eternos desencontros, ou encontros tão breves e interrompidos que é como se não tivessem sido, ou tivessem sido só em sonhos.

Estancamos de repente e a roda viva carregou a roseira pra lá. Mas ainda gosto de muitas coisas aqui. Você não me deve nada, acredite. E mesmo que devesse, eu nunca te cobraria.

 

domingo, 4 de janeiro de 2009

Ritual

Os lugares que a gente viveu por muito tempo guardam com eles um pedaço de nossa alma, presa nas lembranças um passado que, mesmo que a gente não queira de volta, deixa uma saudade inexplicável e parece tão vivo... A infância que, relembrada, parece melhor do que foi, a adolescência que, relembrada, soa mais dramática do que o vivido. As lembranças todas que se perdem na espuma do copo, na visão do chão antigo, nos risos e nos pensamentos soltos, imagens de rostos conhecidos, memórias de uma gente que não se viu e talvez nunca mais se veja, nomes que não se esquece, feições que mudem tanto que talvez nunca mais se reconheça.

Há rituais dos quais não se deve nunca abrir mão. A peregrinação periódica de volta pra casa é um deles, e por quanto tempo ainda vou segui-lo é um mistério.

Talvez eternamente, pra pegar de volta, por uns dias, aquele pedacinho de alma que ficou preso nas ferragens de memórias fluidas e tão intrincadas, que deslizam sobre si próprias incessantemente, sem jamais se libertarem da prisão que encerram em si.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

de escrever

Ainda me lembro de você, verdinha e imponente na estante da sala. Feita de algum tipo de metal fundido -- seria ferro? -- com a fita soltando, dando tanto trabalho para arrumar, sujando minha mão de tinta. Ainda me vejo sentada na sua frente, mudando de cor -- preto, vermelho, preto, vermelho, preto, vermelho, preto. E quando a letra saía quase toda vermelha, mas com a pontinha de cima preta?

Ainda me lembro das revistas abertas ao seu lado, e dos índices gigantescos que você me ajudou a escrever. Com indicações, números de páginas, ressalvas e comentários. Quase me lembro das fotos que descrevemos juntas. Ainda queria tê-las, mas assim como você, não sei mais onde encontrá-las. Ainda fecho os olhos com força, às vezes, e tento me lembrar. É difícil, sei que a memória visual engana. Mas não me esqueço mesmo é das sensações que cada uma daquelas imagens me transmitia, e de como eu sonhava minha vida dentro delas.

Ainda me lembro de quando fui visitar mamãe no trabalho, e a vi usando uma fita de errorex. Achei fantástico! Não precisava mais apertar a mesma letra certa várias vezes em cima da errada para ela aparecer mais, e deixar a errada bem despercebida. Ou xiszinhos, para apagar uma palavra inteira. Bastava a modernidade da fita de errorex, rápido, limpo, e incolor; nem deixava sinais. Pena que não servia pro carbono... Ah!, o carbono! outra coisa que faz falta.

Ainda me lembro dos tratados em várias cópias que escrevi, com a sua ajuda e a dos carbonos. Os pretos, porque os azuis tinham aquela cara indesejável de prova da escola, e papai não gostava que os usasse com você, porque eles eram frágeis e você robusta.

Lembro do encanto que eram as suas parentas elétricas -- tinham a letra bem preta, e as teclas moles. Não faziam quase barulho, eram pequenas e um tanto estranhas. Papai sempre dizia que ia comprar uma daquelas, mas ele nunca o fez. Um dia, desistiu, disse para que uma elétrica, se existem os computadores? E eu cá comigo, pensei, mas computadores? ah, computadores, que graça têm? para que servem se não para desenhar? E papai falava em computadores, quando eu estava mais interessada em um videogame e uma tv nova.

E um dia você sumiu. Nem lembro de ter percebido -- há muito que você não morava com a gente, mas ficava guardada na estante gigante da sala de vovó. Há muito que eu lhe havia abandonado, trocado pelos computadores e impressoras. Com suas mil fontes e mil cores, para que ficar restrita ao pretovermelho e um tipo só? E os teclados novos tinham todos os números, e duas vezes!, e eu não precisava fazer o 1 do l. Eram moles e não me doíam os dedos. Podiam apagar palavras inteiras em dois segundos, sem precisar botar a fita de errorex sobre cada letra. Podiam colocar frases, e parágrafos inteiros em qualquer lugar da folha!

E eu muito facilmente te esqueci, deslumbrada com o mundo novo dos tubos catódicos sobre a escrivaninha. Te esqueci, mas com cada vez mais freqüência penso em você. E cá estou agora, com minhas reminiscências, perdida em lembranças de infância, que não têm mais registro em papel, nem em ferro pintado de verde com fita pretovermelha que não pára no lugar. Eu e minhas lembranças, que eu pesco vagando pelos remansos da mente, tentando lembrar de uma ou outra palavra registrada, dos cuidados com parágrafos, com travas e rolos girando, do papel colocado com cuidado para não sair torto, da concentração para não errar e não macular o papel com os xiszinhos dos erros, do carbono ajeitado para não sair do lugar, dos dedos manchados de preto, ou vermelhos de tanto datilografar...

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Das coisas não concretizadas

"Os homens é só disso que precisam, tempo, e é só o que têm, o resto não passa de ilusão", dizia o chefe dos rebeldes.

Na vida, cada coisa a seu tempo.

E há coisas que nunca encontram seu tempo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Perdendo o foco


Minha cabeça às vezes funciona como uma câmera dando zoom. Meu olhar vai rapidamente pra frente, e então refocaliza, mas não tão rápido que eu não possa sentir. E quando eu penso "vou ficar tonta", minhas oculares já reajustaram o foco e tudo já está de volta ao normal. Mas a sensação de que eu apertei o botão de zoom fica, e eu só fico me perguntando como essas coisas acontecem... Nem sei se o fato de eu estar com fome mas estar aqui viajando em livros-rizoma e suas correlações com o exterior tem algo a ver com isso.



domingo, 16 de novembro de 2008

Do sentimento de eternidade

Lembra de todas as coisas que um dia você acreditou que eram pra sempre?


Elas foram embora, todas. E não sobrou uma. 

Mas, sabe de uma coisa? Acho que, uma a uma, elas voltarão. Já começou, e talvez as coisas todas venham de volta, numa debandada em marcha à ré, como que tentando chegar ao ninho. 

Há alguma coisa nos nossos sentimentos de para-sempre que faz as coisas insistirem em não nos deixar definitivamente jamais. E de algum modo, tudo aquilo que você achou que fosse eterno, não importa quanto tempo faz que você o deixou, acaba encontrando o caminho de volta. 

Como aquele gato velho, que não importa o quanto tenha de caminhar nem o quão estrupiado ele há de ficar; à casa sempre torna. 

domingo, 9 de novembro de 2008

Esperando o bis

Obrigada stream, por existir. Obrigada conexão, por não cair. Obrigada Chrome, por conseguir rodar o vídeo. Obrigada Ricky, por pular descontroladamente, se jogar na galera e mostrar sua cuequinha vermelha sexy. Obrigada Andrew, Simon, Nick & Nick, pelo ponto alto da minha existência em frente a esta tela.

Mas a próxima eu quero ver de perto, e não com o maldito cristal líquido entre a gente.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Imagens de uma eleição

A cobertura da vitória de Obama me deixou com alguns nós na garganta.

Primeiro, seu discurso emocionado e empolgante. Cheio de um patriotismo exagerado, como convém a todo americano, mas emocionante de qualquer forma.

Segundo, a imagem de um velho dizendo que nos últimos anos, quando viajava para fora do país, tinha vergonha de dizer que era americano e dizia que era canadense. E que agora isso ia mudar. E o fato de que ele não está sozinho. Orgulhosos dessa vitória, são mostrados negros americanos, brancos americanos, crianças indonésias, quenianos, Lula, e todos que, de certa forma, se vêem representados na história de Barack Obama.

Terceiro, a história da senhora de 106 anos que fez um esforço tremendo para ir à cabine de votação dar sua contribuição para a vitória dele. Me lembra uma história que minha mãe conta, da eleição de 2002, de uma senhora muito doente, que mal andava e tremia toda, mas queria a todo custo entrar na seção e votar no Lula -- só nele, ignorando todos os outros cargos --, e ficou desesperada porque não conseguia apertar o botão da urna e ajudar a eleger o homem em quem ela tanto confiava.

E por último, o discurso de John McCain. Esse, sim, foi um duro golpe, e eu quase não pude conter as lágrimas. O perdedor conclamou toda a nação a se unir e apoiar o novo presidente, para fazer da América um país mais forte e mais justo. Tão digno. Não pude deixar de pensar que jamais, jamais verei uma cena como essa no Brasil. Jamais.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sobre as coisas que têm de ser

Estou aqui, pacientemente esperando um sinal do destino (ou dos ETs), me dizendo bem claramente o que eu tenho que fazer. Os sinais aparecem, bem esparsos, e não muito convincentes. Eu sei o que eu quero, mas todos que me têm apreço dizem que é loucura -- todos menos os que estão lá, do outro lado. E eu me corrôo em dúvidas, pensando em que tipo de loucura estou disposta a cometer na minha vida, pra ter um pouquinho do que eu sempre quis, e se isso realmente vai valer a pena...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Pra mim

Eu quero uma história que seja como o vento frio batendo no rosto sob um sol pálido, que corra na velocidade de um cavalo, que tenha o tilintar do metal rasgando os caminhos.

Quero uma história de muito verde, azul e tons terrosos, que tenha o vermelho da seda e os sentimentos fortes dos que escolhem certo mesmo quando não há escolha, e dos que escolhem errado sabendo que é o pior a se fazer.

Quero torcer por alguém e quero que seus motivos sejam justos. Quero me empolgar com uma jornada e desejar de coração ser parte daquilo. Quero acender fogo, dormir ao ar livre e em cavernas, e sonhar com luz na escuridão.

Quero ver o herói triunfar e as vinganças se concretizarem.

Quero um épico só pra mim.

domingo, 31 de agosto de 2008

Calmaria

Eu me sinto como se não estivesse viva, sem sentir ele descompassar. Apenas uma casca vazia, protegida da montanha-russa de emoções do mundo.
Mais uma pessoa anestesiada, vivendo sem sentir, para alcançar seu destino sem estar em frangalhos.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Luz

A lua estava tão brilhante e tão certinha no céu, que parecia até penduradinha, ou ajeitada com cuidado num buraquinho entre as negras almofadas celestes.

sábado, 5 de julho de 2008

O dia que ele foi embora

Ele chegou correndo e deu de cara com o portão trancado. Não havia carro na garagem, não havia pássaros nem gaiolas na varanda, e nem o sino pendurado no teto. Atormentado, ele chamou o velho da pipoca e o inquiriu. Não sei de nada, disse o velho. Não, vi ele não. Quem viu, insistiu o menino. Como hei de saber, dizia o velho, pergunte a quem mora por aqui.

Corajoso e forte que era, o menino não queria chorar, mas seus olhos ardiam, e ele agarrou-se ao portão e escorregou até o chão, rosto colado na grade fria de ferro, perguntando-se o que tinha feito de errado.

A mãe não tardou. Atravessou a praça correndo ao ver o menino jogado assim, e perguntou ao velho se o dono da casa tinha ido embora. É o que parece, foi a resposta, e ela não conteve o sorriso. Eu avisei, menino bobo!, era o que ela queria gritar. Todos os seus poros ressoavam, Eu avisei! Eu avisei! Eu avisei!

Mas ela conteve os gritos. Apenas aproximou-se da criança e a abraçou, sentindo seu choro baixinho e os soluços contra o peito. Lhe doíam aqueles soluços, e toda a satisfação dos instantes anteriores tornava-se dor. Ela não conseguia pensar mais nada, e tudo o que ela queria era que não houvesse dor.

domingo, 29 de junho de 2008

Seu boiadeiro

Hoje veremos o sabiá cantar vai chover até amarrotar.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Daqueles ares que quero sempre respirar

Sempre, ou para sempre. Não sei o que fazer da vida nem do futuro. Mas o destino se encarregará de me permitir ou me vetar sonhar. E eu sonho que ele me permita não apenas sonhar meus sonhos, mas também os sonhos dos outros. Pelo menos enquanto perdurarem estes ares de encanto. E eu quero que eles durem para sempre. Mas se não durarem, sei que serão renovados no próximo ano. E no outro, e no seguinte.
É tão prazeroso criar universos. Que seja recompensador também. Amém.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Sobre o CPA em sextas-feiras enforcadas ou Aqueles tempos que eu não quero que voltem

O Centro Político-Administrativo em sextas ou segundas enforcadas é um deserto só. Hoje, que eu peguei o ônibus que passa pela Assembléia, foi que pude ver com amplitude o quanto ele fica vazio. Chegando perto do palácio do governo, em vez de pessoas apressadas, o que me recepcionou foi a fumaça, do mato pegando fogo do outro lado. Aqui no pátio ao lado, as cinzas esparsas ainda estão chovendo sobre as cabeças dos (raros) passantes.

Só consegui me lembrar daqueles tempos cinzentos, em idos do final do inverno passado, quando o frio já tinha ido embora, mas a chuva ainda não tinha chegado, e a fumaça me envolvia por todos os lados, compimindo e sufocando. Hoje não, ainda estamos em maio e o vento leva a fumaça pra longe de mim. Ainda temos vento e vemos o azul do céu. Ainda há esperança de que, desta vez, o mau tempo não venha.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Ensaios

Às vezes sinto que passei a vida toda ensaiando para um dia começar a viver. E de ensaio em ensaio, fui deslizando pela vida, sem nunca ter sentido vivê-la de verdade. Nada nunca parece muito bom, muito acabado, nem muito inteiro, e os momentos de plenitude se esvaem como fumaça. 

domingo, 27 de abril de 2008

O silêncio

Acordou e espalmou a mão esquerda. Lentamente abriu os olhos e olhou. Viu que todos os dedos continuavam lá, e sem membrana alguma entre eles. Sentiu um alívio intenso, coberto pela ansiedade de sempre. Ouviu a brisa fresca soprar e contemplou o ar azul marinho. Sentiu a areia fria sob seu corpo seco, e viu que tinha sede. Ergueu-se e pôs-se de pé. Esticou-se e em silêncio bocejou. Pensou em apanhar um coco e beber. Olhou para todos os lados. Hesitou. E viu que não tinha forças para tanto.

Não ainda, pensou. Com a resignação de sempre, caminhou até a borda. Contemplou ainda uma última vez aquela noite o ar, e com agilidade pulou. A água espalhou-se por quilômetros em muitos pingos, e ela mergulhou fundo quando sua cauda instantaneamente reavivou em mil escamas cinzentas. Prateadas quando há luar, ela pensou ainda, seu último pensamento humano antes de se perder na escuridão profunda das águas.

A água que era seu lar e sua prisão, da qual ela ainda iria se libertar definitivo. Ou na qual iria se encerrar sem chance de volta. Um dia.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

E agora, José?

As brigas e cisões em grupo podem ser desagradáveis e constrangedoras, mas costumam ser bastante reveladoras. Aparências frágeis são rasgadas com as pontas dos dedos, e de tal forma que a cortina não pode ser recosturada.
Melhor assim?
Não sei, quem teve a cortina rasgada que avalie. A minha, de papel translúcido, continua lá. E se depender de mim, vai continuar me resguardando o resto da vida. Não quero ser arrancada da minha cabine e exposta a toda a gente. Ainda espero conservar um pouco da diplomacia que me resta.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Para ver

É preciso estar na sintonia certa (além de um certo ponto, e antes de outro determinado) para ver as fadas. Ontem de manhã eu consegui, e anteontem quando voltava da faculdade, também. Elas estavam lá esvoaçando, pequenas e coloridas, pelo canteiro do portão do prédio. Faziam seus barulhos de zunido por causa das asas de inseto, e brincavam entre as folhas das plantas. Vi uma lilás, uma amarelinha, e uma verde. Depois, no canteiro da avenida, quase vi outra — foi muito rápido, um revoar de asas, e eu não consegui distinguir qual era.

Mas não é assim fácil topar com uma fada. Algumas coisas essenciais são necessárias para vê-las. Primeiro é preciso estar num estado de plenitude — não precisa ser reverberante, porque elas vão fazer isso por você. Segundo, é preciso estar com saudade delas; e eu estava com uma saudade tão grande, daquelas que até crescem como um balão dentro do peito. E terceiro, é preciso olhar atentamente, procurando por elas. Fadas não se deixam enxergar por quem não está interessado nelas.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

As pombas

Reconheço as pombas quando elas pousam no chão e começam a andar. Aquelas cabecinhas horrorosas avançando e recuando com violência, furando o ar como se abrissem a passagem para o resto do corpinho desajeitado, e soltando aquele grugrulejo terrível...

Que passem sempre longe de mim, as pombas. Delas, só quero as fontes e as estátuas. E minhas janelas de volta.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Sol? Pra quê?

O céu nublado e os 18°C do termômetro me deixam leve, tão mais leve que consigo respirar livremente. Quem foi que disse que o ar frio é mais pesado? Bobagem desses cientistas. Fosse mais pesado era mais fresco aqui embaixo, e ele não escapuliria para altitudes mais altas na primeira oportunidade.

Quero o ar sempre assim. Quero a leveza de não me sentir sufocada a cada inspiração, e de não sentir o peso do sol a cada passo da ladeira, avante e para cima. Quero caminhar sem apertar os olhos, enxergando com clareza, sem ver turvar aquele primeiro metro acima do asfalto.

Quero o frescor das folhas de hortelã sob um céu nublado e tão leve que quase flutua.

Sol? Só se for em cima de grama verde, com a copa de uma árvore entre nós, e sem formigas no meu pé.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Uma coisa que sempre penso

Livros são importantes. Filmes fazem minha vida mais feliz. Mas o que seria de tudo isso se eu não tivesse ar pra respirar?
O que seria da minha vida sem música?
Não seria vida, e eu não suportaria vegetar por muito tempo.

domingo, 23 de março de 2008

Sobre histórias

Uma vez, quando eu tinha 11 anos, Richard Bach me disse que o mundo era feito de ilusões, e que eu podia controlá-las e fazer o que eu quisesse. "Ninguém pode nos impedir de fazer o que queremos fazer", foram as palavras que ele usou.

Na mesma ocasião, ele me contou também que não tinha vontade de escrever nenhum outro livro depois de Fernão Capelo Gaivota. Mas as idéias não o deixavam em paz. Vinham até ele, o agarravam pelo pescoço e gritavam "Não o largarei até que me ponha no papel em palavras." E assim ele fez.

Gostei do que ele me contou porque eu sentia o mesmo. Naquela época, não tão forte como senti depois, quando comecei cinco livros e três fanfics. Nenhum deles chegou ao final, e eu não acho que um dia chegarão. Foram impulsos de adolescente.

Talvez por isso eu tenha gostado tanto do Niggle. Faz pouco mais de um mês que o conheci, e ele me fascinou. Muito resumidamente, Niggle é um artista que nunca termina seu quadro. Não resumidamente, há muito o que se dizer sobre ele. E ele é o alterego de Tolkien, dizem por aí. Acho que essas pessoas têm razão. Não há como não relacionar o quadro de Niggle com a obra (à época) inacabada de O Senhor dos Anéis.

Hoje eu não me atrevo a escrever nada comprido. Mas as palavras continuam me sacudindo e gritando no meu ouvido, exigindo serem transcritas. Então, ano passado, aderi ao blog. Comecei com um blog coletivo, aí fui para o blog em dupla, só então comecei essa viagem solitária.

A todos que porventura aqui passarem, bem vindos a bordo. O expresso vermelho já está apitando.