quarta-feira, 18 de março de 2009

O sítio

Joana levantou-se cedo naquela manhã. Queria dar umas voltas, fazer um reconhecimento do lugar, andar por aí pensando na vida. Queria um tempo para si, longe da poluição sonora da casa acordada — aquele emaranhado de sons e gritos e rádio ligado e panela no fogo e água fervendo e tanquinho batendo e cachorro latindo e galinha cocorejando e criança correndo e bebê chorando e gente rindo e fofocando. Saiu descalça mesmo, sentindo a terra arenosa, macia de não ter sido lavada pela chuva que não caía há semanas. Andou por minutos incontáveis, passando por goiabeiras com toscos balanços pendurados, mangueiras, limoeiros, árvores que nem sabia o nome, sapos e formigas, até chegar perto do rio. Não sabia nadar — ficou só olhando as canoas flutuarem amarradas nos tocos à beira do barranco, se imaginando tomando aqueles remos e descendo na calmaria daquele rio sem correnteza, em busca dos peixes maiores e dos lambaris mais saltitantes.

Mas houve o estrondo, e Joana não soube o que fazer por um instante interminável. Não soube nem o que pensar. Então se levantou de repente e saiu correndo de volta à casa que erguia-se meio inclinada entre a horta e os poleiros onde dormiam as galinhas. Chegou e viu as crianças agarrando-se umas às outras, chorando copiosamente. Não precisava que lhe contassem nada, porque soube, desde o dia em que chegou à casa, que aquela história acabaria em tragédia.

Ela atravessou a sala e a cozinha e chegou aos fundos. Viu Lucia, que sangrava pelos furos na testa e no peito, caída perto do tanque. A poça vermelha sobre o concreto aumentava devagar a cada segundo. O revólver Mário tinha levado consigo, com toda a certeza. E, ao lado do corpo, ele deixou o motivo do crime: uma foto de Lucia e Alberto, rasgada ao meio, suja de sangue.

Este, com certeza, já está morto também, pensou Joana. E fechou devagar os olhos da defunta, sem conseguir sentir qualquer pesar por ela.

  

domingo, 8 de março de 2009

O novo sempre vem?

Os velhos vícios que retornam. 
Primeiro, uma xícara de café por dia.
Depois, um cigarro ou dois por noite. 
Um disco por trajeto. 
Um sorvete por almoço.
As velhas obsessões, que fingem que vão embora, mas acabam por retornar. Fazendo lembrar do que já fui um dia, e de coisas que há muito tento esquecer. Atormentando um calmo coração que só quer o novo. Novos livros, novos discos, novos lugares, novos sonhos, novos quereres. Novos vícios. 
Mas ah!, os vícios. Os velhos vícios! 
Como se livrar dos hábitos encravados no peito e de tudo que já nos acostumamos a desejar?